Zika: o que já se sabe e o que está sendo estudado sobre a doença
É transmitida por via sexual? Causa mesmo microcefalia? Veja respostas.
Pesquisas estudam formas de transmissão, vacina e combate a mosquito.
Identificada no Brasil há menos de um ano, a zika é uma doença ainda cercada de mistérios. Enquanto os casos se multiplicam e se espalham pelo mundo, cientistas correm para comprovar sua relação com outros problemas de saúde e pesquisar exames mais confiáveis, vacinas e métodos mais eficazes para eliminar seu principal vetor, o mosquito Aedes aegypti.
Veja a seguir o que já se sabe e o que ainda falta descobrir sobre a doença, o vírus que a causa, suas formas de transmissão e seus efeitos no organismo.
O que é zika?
É uma doença causada por um vírus do gênero Flavivírus. Identificada pela primeira vez em 1947 em um macaco rhesus na floresta Zika, da Uganda, foi diagnosticada no Brasil em abril de 2015. Entenda neste vídeo interativo como a zika se tornou um problema de saúde pública.
Quais são os sintomas?
Os principais são dor de cabeça, febre baixa, dores leves nas articulações, manchas vermelhas na pele, coceira e vermelhidão nos olhos. A evolução da doença costuma ser benigna e os sintomas geralmente desaparecem espontaneamente em um período de 3 até 7 dias.
O quadro de zika é muito menos agressivo que o da dengue, por exemplo, e cerca de 80% dos pacientes não têm manifestações clínicas. O que assusta é sua possível relação com outras condições mais graves, como microcefalia e síndrome de Guillain-Barré.
Como o vírus é transmitido?
O principal transmissor é o mosquito Aedes aegypti, que, quando infectado, pode passar a doença a humanos pela picada. Outras possíveis formas de transmissão estão sendo estudadas.
O vírus pode ser transmitido por via sexual?
O risco de transmissão sexual ainda não foi comprovado cientificamente, mas vários casos de possível contágio intrigam cientistas e já levaram médicos a recomendar que grávidas usem proteção durante relações sexuais.
A OMS afirma que ainda não há evidências suficientes para provar que essa forma de disseminação do vírus de fato ocorreu e que ela é preocupante, mas também recomendou sexo seguro ou abstinência a quem está em regiões com surto de zika. Mais estudos estão sendo feitos. Saiba mais.
Pode ser transmitido pela saliva?
O vírus já foi encontrado em amostras de saliva, mas não se sabe se ele pode ser absorvido por esse meio por outra pessoa até chegar à corrente sanguínea. Ainda não existem casos suspeitos de infecção dessa forma.
Pode ser transmitido pelo leite materno?
O vírus também já foi encontrado no leite materno, mas nenhum caso suspeito de transmissão foi relatado.
Pode ser transmitido por transfusão de sangue?
Um estudo de abril de 2014 detectou o vírus da zika em amostras de sangue de doadores que não manifestavam sintomas no momento da doação.
Neste ano, foi constatado em Campinas um caso de transmissão do vírus da zika de um doador de sangue para um receptor. O Ministério da Saúde investiga o caso, que seria o primeiro do Brasil.
Existe vacina?
Atualmente, pelo menos 15 empresas e grupos acadêmicos estão empenhados na criação de vacinas contra o zika, de acordo com a OMS. Uma delas se mostrou promissora em ratos e outra começará a ser testada em animais em breve também (veja mais detalhes aqui).
Apesar do programa de trabalho acelerado, estima-se que serão necessários pelo menos 18 meses para que qualquer vacina contra o zika esteja pronta para ser utilizada em testes clínicos de larga escala.
Existe exame para diagnosticar o problema?
O método diagnóstico disponível atualmente é o PCR, um exame de alta complexidade que só é realizado em laboratórios muito especializados (veja alguns deles nesse link).
Segundo recomendações do Ministério da Saúde, nas regiões em que já houve diagnóstico laboratorial para zika, o diagnóstico dos outros pacientes deve ser clínico, ou seja, pela avaliação dos sintomas que o paciente apresenta.
Um dos problemas do PCR é que ele só detecta a presença do vírus em um período muito curto de tempo: cinco dias depois do aparecimento dos sintomas. Ou seja, é possível que o paciente ainda esteja manifestando sintomas da doença e o vírus não seja mais detectado em seu sangue.
Os cientistas estão desenvolvendo testes sorológicos, capazes de detectar os anticorpos contra o vírus, que poderia detectar a infecção em uma janela maior de tempo. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já aprovou ao menos três testes do tipo, mas eles ainda não estão disponíveis comercialmente.
Existe tratamento?
Não há tratamento específico para a doença. Segundo o Ministério da Saúde, os casos devem ser tratados com o uso de paracetamol ou dipirona para controle da febre e da dor. Assim como na dengue, o uso de ácido acetilsalicílico (aspirina) deve ser evitado por causa do risco aumentado de hemorragias.
Quais países já registraram casos de zika?
A zika está se espalhando rapidamente pelas Américas e por outros países do mundo, o que preocupa a OMS. Pelas estimativas da organização, entre 3 e 4 milhões de pessoas vão ser infectadas pelo vírus no continente em 2016.
O Brasil é o país mais atingido: até 1,5 milhão de brasileiros podem ter contraído o vírus no ano passado.
Atualmente, há registro de casos de zika em mais de 60 países, somando os que apresentam transmissão local e casos importados (CLIQUE PARA VER O MAPA ATUALIZADO).
A relação com a microcefalia está provada?
Apesar de ter sido observada uma forte correlação entre o vírus da zika e a microcefalia em bebês,a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que ainda não há comprovação definitiva da ligação entre os dois. Estudos estão sendo feitos para tentar chegar a uma confirmação.
O sinal de alerta surgiu em 2015, quando foi constatado um aumento incomum de casos de microcefalia em regiões do Nordeste brasileiro que também tinham sido acometidas por casos de zika . Em novembro, o Ministério da Saúde detectou a presença do vírus da zika em amostras de sangue de um bebê que nasceu com microcefalia no Ceará e acabou morrendo.
Um experimento que simulou o desenvolvimento de cérebros em laboratórios constatou que o zika afeta a geração de neurônios, essencial ao crescimento do cérebro. Outra evidência que reforça essa associação foi uma autópsia realizada em um feto abortado de uma mulher europeia que ficou grávida enquanto morava no Brasil. O resultado revelou altos níveis de vírus da zika em tecidos do cérebro fetal, excedendo os níveis do vírus normalmente encontrados em amostras de sangue.
Anteriormente, o vírus já tinha sido encontrado nas placentas de mulheres que tiveram abortos espontâneos e nos cérebros de dois recém-nascidos que morreram e que tinham microcefalia.
Neste mês, o ministério iniciou na Paraíba um grande estudo em parceria com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, que vai comparar mulheres que tiveram filhos recentemente, com e sem microcefalia.
Como a situação é muito recente, ainda não se sabe como o vírus atua no organismo humano, quais mecanismos levam à microcefalia e qual o período de maior vulnerabilidade para a gestante.
A zika causa paralisia?
Alguns estados do Nordeste que tiveram a ocorrência do vírus da zika observaram um aumento incomum dos casos da síndrome de Guillain-Barré – doença rara que afeta o sistema nervoso e pode provocar fraqueza muscular e paralisia de braços, pernas, face e musculatura respiratória. Em 85% dos casos, há recuperação total da força muscular e sensibilidade.
Especialistas afirmam que é muito provável que haja uma conexão entre as duas coisas, mas ainda é cedo para afirmar isso. Estudos epidemiológicos estão sendo feitos para verificar se essa relação realmente existe.
Esta semana, pesquisadores brasileiros também começaram a estudar se adultos infectados pelo vírus da zika podem desenvolver problemas neurológicos além da síndrome de Guillain-Barré. Médicos de diferentes hospitais vêm relatando um número acima da média de encefalites e encefalomielites – inflamações no cérebro e na medula normalmente decorrentes de infecções virais.
Como prevenir?
Como o vírus da zika é transmitido pelo Aedes aegypti, a prevenção segue as mesmas regras aplicadas a essas doenças. Evitar a água parada, que os mosquitos usam para se reproduzir, é a principal medida.
Colocar telas de proteção nas janelas e instalar mosquiteiros na cama também são medidas preventivas. Vale também usar repelentes e escolher roupas que diminuam a exposição da pele. Em caso da detecção de focos de mosquito que o morador não possa eliminar, é importante acionar a Secretaria Municipal de Saúde do município.
O que as gestantes devem fazer?
O Ministério da Saúde orienta as mulheres grávidas a se protegerem contra picadas de insetos: evitar horários e lugares com presença de mosquitos, usar roupas compridas, aplicar repelentes e instalar barreiras para entrada de insetos como telas de proteção ou mosquiteiros.
É importante também informar o médico sobre qualquer alteração no estado de saúde, principalmente no período até o quarto mês de gestação.
O que a ciência está estudando para tentar controlar a proliferação do Aedes?
Segundo a OMS, os estudos mais promissores são os testes com mosquitos geneticamente modificados e com uma bactéria que infecta insetos.
Um exemplo do primeiro caso são os “Aedes do bem”, mosquitos geneticamente modificados pela empresa britânica Oxitec para produzir descendentes estéreis. O método tem dado resultados dentro e fora do Brasil. Em um bairro de Piracicaba (SP), o uso desses animais esterilizadosconseguiu reduzir em 82% a quantidade de larvas do mosquito.
A OMS também destacou o potencial da liberação no ambiente de mosquitos machos esterilizados por irradiação.
Outra linha de pesquisa, estudada inclusive pela Fiocruz, consiste em infectar os mosquitos com bactérias do gênero Wolbachia, que atrapalha a habilidade dos mosquitos de passar adiante o vírus da dengue durante a picada.
Outra variedade de Wolbachia suprime a reprodução do mosquito, pois, quando machos infectados pela bactéria copulam com fêmeas, os ovos resultantes do encontro não vingam.
A OMS mencionou, por último, um método que pode proteger reservatórios de água: o uso de peixes que se alimentam da larva do Aedes aegypti. A alternativa está sendo testada em El Salvador.
A microcefalia tem relação com a vacina de rubéola?
Essa informação que circula na internet, de que lotes vencidos dessa vacina seriam os responsáveis pela ocorrência de microcefalia, não passa de um boato. A vacina contra a rubéola é contraindicada para grávidas, e em nenhum caso registrado de microcefalia no Brasil gestantes relataram ter recebido o imunizante. A vacina é normalmente aplicada em crianças.
As autoridades de saúde no Brasil, além disso, fazem fiscalização para garantir o descarte de produtos médicos vencidos, e nenhum caso de aplicação de vacina vencida foi relatado durante o período de epidemia da zika.
Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, mesmo que a vacina vencida tivesse sido aplicada, o único problema é que ela não será eficaz contra a rubéola e ela não oferece potencial de danos neurológicos.
A microcefalia tem relação com o uso de larvicidas?
Um boato espalhado em blogs de ambientalistas afirmava que o uso do larvicida pyroproxyfen, que seria produzido pela empresa Monsanto (o que não é verdade, pois é fabricado pela Sumitomo Chemicals), estaria por trás dos casos de microcefalia.
Os textos mencionavam um "estudo argentino", na verdade um relatório da Rede Universitária de Ambiente e Saúde (Reduas) – uma associação de médicos e professores universitários contra agrotóxicos –, que citava de maneira incorreta uma nota técnica da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
A Abrasco desmentiu a informação e disse que se tratou de um mal-entendido. Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que "não existe nenhum estudo epidemiológico que comprove a associação do uso de pyriproxifen e a microcefalia" e que a substância foi aprovada para o uso pela OMS e pela Anvisa.